Conto Premiado

"45 Minutos"
- TERCEIRO LUGAR, CATEGORIA CONTO - CONCURSO DELICATTA III - Leia o texto.

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Penosa Aceitação

Não há de ser nada – pensei imediatamente após ler aquela carta. Triste coincidência da vida. Esbarrar numa incerteza logo na primeira curva de um caminho nada acidentado. Já não havia tempo em que não pensasse em parar a correria e me deleitar no prazeroso nada fazer por uns tempos – pedido negado. As contas foram acumulando na gaveta da escrivaninha e o telefone quando tocava causa-me arrepios torrenciais. Num suave conto de fadas seria simples – chamem a fada madrinha imediatamente, preciso de saldo positivo em minha conta bancária – Shazan!!! Desejo realizado. Estretanto, dei-me conta que a vida não é um conto, mas um romance repleto de páginas estranhas e cheias de um nazismo incompreensível. “Hitler me veio a mente agora”.

Na carta um olhar desesperado atropelando palavras em busca da chave final – “Sim ou não? Onde está?” O papel tão branco que num segundo distraído pareceu-me uma obra de arte moderna, estilo borrões em uma tela para enfeitar a parede da sala de estar com a última tendência. “Digno e requintado”. As palavras na carta tinham um som estranho e não formavam um texto o qual poderia eu doar alguns minutos de meu tempo de sobra, mais sim uma assombrosa aparência de água fervilhando um gás letal – a dúvida.

Dias atrás tentei atravessar a rua com o sinal aberto, uma passarela de pedestres estava próxima, mas algo me desvirtuava, jogava-me para a beira do precipício sem direito a pára-quedas – e se o tivesse ganhado certamente não abriria e lá se ia um homem de encontro ao chão na velocidade da agonia momentânea. O fato conta, entretanto, que a galinha logo tentou jogar-se para o outro lado da calçada e ninguém sabe ao certo o porquê disso. Senti-me parente próximo da co-có-ri-có naquele momento e pensava apenas no chegar ao meu destino. Haveria algo lá pra mim como houve pra penosa, afinal seu ato de atravessar a rua ficou marcado na história como um feito de grande importância. Garanto que até mesmo Da Vinci tentou entender, não encontrando a resposta para o dilema da ave, esqueceu o assunto e dedicou-se a ocultar símbolos em suas obras – ninguém sabe o porquê. De que importa. A galinha atravessou. No final rendeu-me um idéia maravilhosa.

Lembro de ter-me sentado da cama, boquiaberto com a conquista. O triunfo exaltado de um, outrora, perdedor nato. O espelho logo a minha frente mostrava um sorriso estranho com o qual não estava acostumado. O reflexo incoerente de uma alma penada com endereço. Li aquelas palavras um par de vezes. “Aceito na academia de artes”. Não faziam sentido. Como alguém em sã consciência poderia admitir um ser cuja obra enviada como trabalho principal mal poderia ser chamada de obra num todo, mas sim de uma piada em prol de um manifesto. Tentei entrar naquela joça tantas vezes que perdi a conta e num ato inédito de desgosto enviei-lhes uma aberração em forma de pintura. Ô vida estranha, ô povo estranho. O fato é: “Aceito na academia de artes”.

Sai de casa com o orgulho manchado. Minha alegria transformou-se em ódio. O ódio deu asas ao diabo que todos carregamos no peito. Embaixo do braço um esboço de meu trabalho vitorioso, o qual me abriu as portas do mundo acadêmico e em meus olhos um ardor enxurrado de tempestade de verão. Parei defronte para a rua movimentada e detive-me por minutos a filosofar silenciosamente comigo mesmo, tal qual no momento galináceo vivido noutro dia qualquer.

Pintar quadros nas ruas não enche barriga isso é mais que comprovado pelo meu estômago diminuto por obrigação. Caramba, quanta vezes pensei em logo entrar praquela academia e mudar essa vida para algo não tão ruim – e nada. Tentei vingar-me dos incólumes e nada consegui senão fazer passá-los uma imagem louca e digna de um diploma. Daquele dia, após vender uma verdadeira obra de arte por dez reais para um homem sem identidade, ao chegar em casa preparei o cavalete, a tela,os pincéis e as tintas, pus-me a trabalhar com voracidade. A vingança tem um sabor malicioso e picante.

A galinha era negra com uma volumosa quantidade de penas ressaltadas em um pranto de dar dó. Defronte para esta uma rua lotada de carros parados diante de uma faixa de pedestres. Do outro lado um prédio antigo reinava soberanamente no jardim vasto e de final a perder-se de vista. O guarda apontava firmemente a palma da mão para a ave - Uma barba espessa cobria o rosto de Da Vinci com um apito roxo na boca.

Olhei para a avenida, para o viaduto e depois para o prédio da Academia de Artes. Pretendia logo jogar-me embaixo de algum carro, mostrar sangue para os paspalhos, mas de súbito parei.

“A galinha chega inteira do outro lado”. Tomei o rumo do viaduto, o mesmo rumo que a mediocridade toma quando o seguir de um orgulho já não mais basta. “Quando a barriga ronca e a campainha toca – lá vem cobrança”.

No final, a galinha recolhe as penas e pena para não morrer na primeira encruzilhada. Afinal quem não gosta de canja?

Alexandre C. Martins - 31 de agosto de 2008

4 comentários:

Anônimo disse...

adorei!!!
fez de um questionamento "um tanto quanto bobo" a base de um conto muito agradável e divertido de se ler.

continue assim!

Anônimo disse...

É um emaranhado de links que nos remetem a várias direções... Nos lançam de um lado,de outro,e parecem querer fazer isso. Gostei da linguagem utilizada. No início mais frases curtas e fortes e, no decorrer, minhas construções favoritas: a utilização de elementos intercalados separados com travessão.

Antonio
Vou ler os outros agora.

disse...

Instigante... A angústia do artista tratada de forma bem-humorada, não obstante penosa.
É bem ou mal capaz que o artista seja reconhecido pelo que joga fora do que pelo que constrói.
Parabéns, Alexandre. Compartilho.

Dora Dimolitsas disse...

aLEXANDRE MEU AMIGO
PARABÉNS REALMENTE VOCÊ MERECE
O SEU TRABALHO CRESCE DIA
A DIA PARABÉNS ABRAÇOS DORA